quarta-feira, 27 de junho de 2012

Descobrira o deserto dentro de si que começara a atravessar.
Seria longa a travessia, solitária e com pouca bagagem (viagens longas demandavam bagagem leve).
Estará por si só e isso exigia imensa coragem, coisa de poucos, embora reconhecesse ser a melhor companhia para dividir seus pensamentos.
Seria-lhe dado o tempo suficiente para analisar, organizar e ponderar sua vida.
Não era tarefa fácil, tampouco simples. Era apenas o necessário.
Levaria o tempo que fosse e só retornaria renovada, revivida, apaziguada com si própria, pois já perdoara um a um daqueles de quem sentira mágoa.
Faltava o mais difícil: perdoar a si mesma.
Perdoar todas as vezes que se boicotara, todos os momentos que fizera más escolhas, todas os mutilamentos de sua alma.
Quando limpasse sua própria mágoa de si, estaria pronta. Pronta para seguir suas escolhas, agora maduras, ponderadas, eficientes. Porque ela nunca achara difícil escolher, aliás, sempre fora muito decidida. Traçava mapas mentais de trajetos a percorrer e sempre os seguira.
Não agora, agora era diferente.
Partiria sem rumo, com objetivo único de mergulhar sem snorkel e sem máscaras em seu âmago. Rasgando fantasias ilusórias, medos desnecessários e travas peculiares.
Empolgada, era a palavra que melhor descreveria essa nova fase.

domingo, 24 de junho de 2012

Era uma mulher de estômago forte.
Avestruz.
Acostumada a temperos fortes, sabores diferenciados.
Amava gengibre, canela, cravo da índia.
Adorava cozinhar, aceto balsâmico, café forte e puro.
Folha de louro, alho, cebola, frutas silvestres.
Tinha garganta larga e profunda, engolia qualquer situação e seguia adiante.
Sapos.
Não fosse aquela página, com cotação, três nomes e um site.
Seu mundo caiu.
Não que esperasse tanto, porque nesse dia não esperava nada.
Apenas, automática, empacotava malas.
Remexia roupas velhas e cadernos usados.
E derrubou lágrima.
E sentiu a solidão da época de casada.
Derrubou mais lágrima, porque ela fora fiel.
Lágrima arrependida de sua escolha.
Por ter aberto mão do que amava.
Porque impediu seguir seu coração.
Porque deixou o tempo passar leviano.
Ela fora real, mesmo com suas aventuras ilusórias.
Até na quietude e afastamento o homem a magoara, já não bastava passar sua vida a limpo, apareceriam sempre rascunhos a serem revisados?
Conversara mentalmente com seu guia do viver, e não ouviu contraponto.
Assistira a um belo filme que também falava sobre traição.
E mais lágrimas, porque o filme a permitira chorar as dores que na vida silenciava.
Precisou de café quente, companhia amiga, chafurdar em carinho desprovido de intenções.
Queria a mão macia, com a umidade e temperatura que sempre desejou e ele sequer imaginava.
Propôs-se a enfrentar o deserto para a seguir saciar sua bruta sede, água assim tem sabor melhor.
E acreditava esperançosa que o rio estava logo a frente, pois sentia o cheiro ozônico que tanto apreciava, da chuva molhando terra e grama.
De seu arqueiro lhe mirando como cupido, com o coração carregado de amor e pleno de amizade.
Sim, ela aguardaria o momento de encontrar a imagem à miragem... aguardaria com calma e serenidade pois ao seu lado passaria para além da eternidade.



quarta-feira, 13 de junho de 2012

A mulher

Escrever para ela era compor músicas em palavras.
Reger uma orquestra de vogais e consoantes.
Nascera com certo vínculo de afeto através das palavras, seria herança do poeta avô?
Era apenas através dela que sentia viva sua existência. Seu mundo.
Não importava se era real, imaginário ou simbólico.
Aprendera sobre tríades anos antes do agora.
Conhecia Pierce e Lacan. O Linguista e o Lógico.
Ambos trabalhavam tríades interligadas. Um sistema matemático, onde pequena área pertenciam simultaneamente a 3 conjuntos.
A iconografia de sua vida era essa tríade. Havia nela sempre quelque chose de triangular e era constante batalha separar o joio do trigo.
Amava a literatura de seus dias. Deliciava-se com seu otimismo, generosidade e Complexo de Poliana Moça.
Sim, ela era a esperança de um dia após o outro.
Apesar do apesar.
Todavia, isso fora na época das incertezas, antes de "re-conhecer" seu nome próprio, antes de entender sua matriz mais primordial, herança familiar.
Antes de Deus se fazer Sol em sua vida.
Antes do tempo em que aprendeu a ser MULHER, a tornar-se uma.
Porque descobrira que A mulher não é seios protuberantes e pêlos púbicos. Menarca alguma no mundo transforma menina em MULHER.
Esta, se conquista, só no pouco a pouco. Com o tempo, como o bom vinho.
Mirava de leve espectro o reflexo forte que se formava no lago e um frio lhe percorreu a espinha, do cóccix à nuca.
Teria ela o fim de Narciso?


sexta-feira, 8 de junho de 2012

Passaram-se 17 anos da última vez que percorrera aqueles caminhos.
A terra era seca, o vento quente e todavia se encontrava lá ela novamente.
As casas calcárias, com cúpulas azul-oceano... 
O Mediterrâneo logo ali, onde seus pés podiam tocar e sua alma repousar.
Foi silêncio alarmante... 
Cerrou os olhos e permitiu à sua mente divagar...
Seria capaz de ouvir o pulsar da terra, e ouvir Elláda como seu idioma principal.
Porque, sim, eram em momentos como aqueles em que ela era capaz de fluir em qualquer dialeto, 
a alma humana era escrita de forma espiralada e helicoidal e ela, Helena de Sistriera era parte do espírito do mundo!
Vivera tanto em sua pequena e miserável província, quanto em Constantinopla, época em que seus filhos eram pequenas criaturas dela dependentes...

***

Ah, o tempo!
Há quanto passara a época de acreditar que apenas a realidade importava.
Desde então, aprendera a ler o mundo com o coração!
Aprendera a carregar sua história como uma leve bagagem de mais de um século!
Fora ensinada a manter sempre no peito o que mais tarde o homem chamaria de Disco de Festos, sem saber que o dela era herança paterna, de pai escultor.
Isso sim era sua herança mais valiosa. 
Conhecia a ignorância de toda uma humanidade que se dizia tecnológica embora não conhecesse sequer a linguagem de seu Pai.
Ali estava o Elixir da Vida. A crença que Deus era Uno e Tríade.
Como poderiam eles desconhecer a melhor parte da História?
Da origem dos tempos?

***

O homem do século XX desaprendera a felicidade de Epicuro.
Conquanto houvesse um só jovem que não lesse além das escritas, o segredo ficaria guardado.
Fizera essa promessa e levaria até a data combinada.
Não sentia medo nem ansiedade, era de sua natureza guardar aquilo que não conseguia explicar, e poucos reconheciam que esse sim era o Verdadeiro Segredo.




Ela levou uma porrada de romantismo no maxilar e sorriu.
Sim, ela acreditava no amor e nas suas desenvolturas.
Amor verdadeiro, com A em Caps Lock.

E sim, também, espera por ele, ele, o que desperta o seu melhor.
O homem que intuitivamente a faz gargalhar por dentro,
Que é seu cúmplice desde o pote de sorvete.
O único que conhece sua manias mais improváveis e acha graça disso.
Aquele a quem ela ama e respeita. O Amigo e Amante. Confidente.
Que proverá daquilo que ela precisa, na forma mais sublime.

Ele está próximo, mesmo sem se conhecerem.
Ainda.
Porque esse encontro é o verdadeiro e duradouro.
Assim posto, pode demorar o quanto for, desde que seja logo!


quarta-feira, 6 de junho de 2012

Sobre o caráter ao eterno retorno de Nietzsche.

Pensava sobre caráter e regras da vida.
Ela vivera uma semana de tudo o que a intensidade poderia oferecer.
Em vão. Pessoas não mudam. O caráter não é uma massa a ser modelada.
Lembrou da ingenuidade dela enquanto criança. Enquanto massinhas simulavam sorvetes, brincos e pizzas.
Pensou na sua dor mais primordial, e quando anos mais tarde, continuou a permitir que afincassem facas na cicatriz.
Seria para lembrá-la que cicatrizes são marcas, ditadas pela experiência, para serem lembradas em situações de perigo?
Seria para mostrar que aquele lugar era sagrado, marcado, uma tatuagem em dor, sinalizar que ali era o único lugar a ser evitado, caso quisessem adentrar sua alma?
Ela sentia orgulho e sempre ostentou suas dores e amores.
Não temia o passado e o futuro era uma imagem nublada a ser desnuviada, ainda assim, recuava em relação à específica ferida. Cicatrizada, porém ferida.
Não havia um só band-aid no mundo capaz de conter o sangramento de agora.
Ela deixaria escorrer...
Escorrer... até o limite de suturar, costurar e formar uma nova casca, uma nova cicatriz.
Cicatriz acima da cicatriz.
Lembrou de Deus.
Suplicou a Ele Sua unção, antes que fosse tarde demais.
Nunca era tarde demais...
Fora impulsiva, indelicada, intrometida, num desfile de "ins" negativos...
Mas fora, sobretudo, seu Nome-Próprio. Seu Estilo. Sua Assinatura.
Sempre soubera ser a fênix, que renasce num eterno retorno...
Apesar de se recusar a aceitar a proposta de Nietzsche, romantizada por Kundera, ela não viveria o eterno retorno do mesmo.
Não se arrependia de minuto existido e vivido, pois seria negar sua essência.
Agora estava aberta ao novo, ao infinito, à espera daquele que há tanto a espera no próximo bloco.





sábado, 2 de junho de 2012

Último encontro, sentiu a presença. Não se olharam olhos nos olhos. Mistério.
Ela tentou evitar ser lida como um livro. 
Ele, com seu hobby de olhar único em mãos, se aproximou.
Trocaram daquilo que seus corpos exalavam e ela, sem estratégia, evaporou-se.
Havia qualquer coisa naquele olhar que ela não saberia descrever o quê, e isso não era um piropo.
Ansiava pelo reencontro... 
Ela queria mais meia hora de troca de olhares e quiçá palavras, mesmo as silenciosas.
A falta do contato visual lhe deixava sem terra. 
E era quando, à distância se flertavam, que seu coração se enchia de desejo.

quarta-feira, 30 de maio de 2012


... uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, espararei quanto tempo for preciso.
Clarice Lispector

sábado, 26 de maio de 2012

O olhar

Olho no olho, cara a cara e detalhes à parte, se sentiu estranha.,
mesmo à vontade e com vontade.
Ela sequer olhou em sua direção. Sentiu tensão, surpresa e abobalhamento.
Tentou sair natural, mas seu pensamento era um desfile de carnaval.
Ela era porta-bandeira, cujo mestre-sala se recusou a dançar.

***
Permitiu que a música entrasse em seu espírito e saísse por todos os poros.
Permitiu que o Divino a transformasse.
Resultado: lágrimas em forma e amor em conteúdo.

***
Publicou seu lar como recanto do Bem.
A partir de já, só adentrariam os convidados de alma.
Os selecionados a rir seus risos e chorar seus prantos.
Era hora de não pensar mais, nem menos, nem igual.
Era hora de deixar o tempo correr e se dedicar ao que lhe dava prazer.

***

Pensou em sua terra Natal, em Sistriera e em tudo que lá viveu.
Despediu-se do Amor e deu bem-vindas ao Amigo, com serenidade.
Aceitou pela primeira vez, uma mão estendida a ajudá-la.
Mais tarde, será a hora de agradecer.


segunda-feira, 14 de maio de 2012

Era muito amor para administrar.
Amor de paixão.
Amor de sedução.
Amor de familiar-se.
Amor de instigação.
Amor de perdição.
Amor, substantivo concreto!

sexta-feira, 30 de março de 2012


Depois de varrer o sangue jorrado de sua alma, ela enxugou o rosto com o dorso das mãos, os olhos borrados de preto. A boca, uma mancha vermelha, sedenta em despejar tudo o que não era amor.
A dor dilacerou seu corpo, fazia tempo que sentia medo de quando esse momento chegasse... A dor do medo...
Quando o tsunami passou, era apenas uma marola e sentia seu coração pulsante por vida e alegrias... Ele sorria, pois apesar do ao redor destruído, estava inteiro e completo!
Era hora de mudar os móveis de lugar, de jogar fora as contas antigas de telefone, de trocar de perfume e doar as roupas velhas que não mais serviam em seu corpo.
Já não era sem tempo o momento de acreditar que o futuro era possível e não era uma vã imaginação criada por entorpecentes, nem por amigos desesperados em consolar.
Acredita que seu futuro pauta sua construção no hoje, e que viver o presente na calma e intensidade a levará mais depressa a seu destino.
A esperança era o sentimento mais válido que saboreou nas últimas semanas.
Sem nostalgia, apenas otimismo.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Adeus - Eugênio de Andrade em Amantes sem Dinheiro

Já gastamos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastamos tudo menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
gastamos as mãos à forças de as apertarmos,
gastamos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha  para te dar.

Ás vezes, tu dizias: teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que teu corpo era um aquário,
no tempo em que meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastamos as palavras.
Quando agora digo, meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Sentia uma urgência de vida naqueles últimos dias.

Era uma intermitente busca por alegria, serenidade, paixão, paz.

Ela queria mais.

Queria quase tudo, desde que não lhe tirasse a razão de continuar a sonhar.

Queria o bolo de laranja assado na hora, com café expresso e quilos a menos.

Sonhava com seu filho correndo pelo parque e ela atrás, tentando acompanhá-lo entre um skate, uma bike e um beijo apaixonado.

Para ela a vida era assim, como vinho: simples e suave. E a acompanhava o tempo todo entre uma taça e outra.

A vida era o motivo que ela tinha para sorrir, para levantar-se todos os dias e passar seu batom carmim. Para deixar sua marca no mundo, da mesma forma que o vento esculpia as pedras e o rio marcava as terras.

Ela era a ave de rapina pronta a atacar. Ela era a leoa alimentando o filhote.

Era a mariposa em metamorfose e estava na fase de abandonar o casulo, e seguir voando.