sexta-feira, 21 de maio de 2010

Acordou num sobressalto e a cena da cabeça batendo no asfalto como ovo cru tilintava em sua cabeça.
Sentiu ódio novamente pela amiga que perdera por traição.
Desta vez, não da amiga, da traição.
Chorou pelos pais de sua amiga, pela mãe de tão boa alma que outrora não negara à pequena menina sua real identidade. Nunca se esqueceria desta lição de vida.
E choveu. Choveu forte.
As ruas se alagaram na hora em que iriam partir...
E atravessaram as poças altas como crianças brincando na piscina do clube.
E se beijaram. Era desta vez um beijo apaixonado de despedida, embora partissem juntos...
Ela olhou para ele e sentiu amor.
E depois da chuva, chorou e correu ao ver o corpo estendido sobre o asfalto.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Então, hoje fora marcada pela presença.
Ainda que na distância física, ela chamou seu nome e pareceu ouvir algo mais do que ecos.
Se deu conta que tudo o que sentia era apenas afeto esparramado no vazio.
Percebeu que por mais importante que fosse, existiria sempre algo a mais.
(Procurou esse conceito do a Mais, e o que encontrou em Lacan, só a confundiu mais ainda).
Se o que sentira fora sacanagem ou afeto, o tempo haverá de confirmar depois.
Esses espasmos sempre se deram après cours, em noites mal-dormidas, o seriado martelando suas entranhas, a imagem do Pai presente em cada cena.
As cortinas desceram, o palco ficou vazio, e só então fora capaz de perceber que a pior solidão que poderia sentir seria a da própria companhia.
Isso lhe deu força. Se amava como poucos. Não de um amor arrogante, pedante ou auto-idolatra.
Pois reconhecia quem era e o que desejava.
Se amava de uma forma mais sobrevivente. Encorajadora. Digna.
Descobrira que ter seu valor era algo conquistado, que não poderá ser arrancado junto com a máscara.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A Bailarina - Cecilia Meireles

Esta menina tão pequenina
quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá
mas inclina o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.

Esta menina tão pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.

in Ou isto ou aquilo, Ed. Nova Fronteira

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A Alma Imoral


Há pouco que gratifique mais do que o tocar da alma pela arte.
A Alma imoral, texto de Nilton Bonder, adaptado e encenado por Clarice Niskier gratifica pela forma.
Pelo conteúdo, pela interpretação sem dramatização.
Pela coragem de expor a alma na epiderme...
Vestindo seu corpo da nudez da imoralidade.
Imoralidade absoluta.
Sem clichês baratos, frases prontas, falsos testemunhos.
Só a alma ex-posta.
Sem uso do autor para justificar atos próprios.
Indubitavelmente,
Na imoralidade há um código.


No Teatro Augusta, sextas, sábados e domingos.
http://www.teatroaugusta.com.br/