quarta-feira, 10 de abril de 2013

Sutilezas

Ela encontrou o amor antes da paixão.
Ele era um super herói fantasiado de adolescente, com cheiro de roupa recém tirada do varal, brilho nos olhos questionador da vida e certa amargura de quem sabe o caminho, mas não conhece o destino.
Não se soube quando começou, todavia, em algum momento ela parou e pensou. E decidiu seu papel naquele teatro todo, e não era o que representava.
Vestia-se de uma personagem que não lhe cabia, e por que?
Lutava ano após ano para assumir sua roupa própria, DNA não verbal de sua personalidade...
Fazia muito tempo que as palavras não lhe faltavam, ainda que fosse fluente em três idiomas, mas o que sentia não era nominável, porque não era apenas amor.
Fora assaltada por uma idealização tão assustadora quanto devastadora, e por fim, escolheu a si mesma para não se perder - ou desistir de si, o que dava no mesmo.
Pediu desculpas, quase irônicas, uma despedida calada, velada, pois apenas ela sabia que aquilo fora um adeus.
Ela tinha que voltar o mais rápido possível ao exercício do espelho, para re-conhecer sua nova imagem delgada e grandiosa.
E foi o que fez em seu mais remoto silêncio...


quarta-feira, 27 de junho de 2012

Descobrira o deserto dentro de si que começara a atravessar.
Seria longa a travessia, solitária e com pouca bagagem (viagens longas demandavam bagagem leve).
Estará por si só e isso exigia imensa coragem, coisa de poucos, embora reconhecesse ser a melhor companhia para dividir seus pensamentos.
Seria-lhe dado o tempo suficiente para analisar, organizar e ponderar sua vida.
Não era tarefa fácil, tampouco simples. Era apenas o necessário.
Levaria o tempo que fosse e só retornaria renovada, revivida, apaziguada com si própria, pois já perdoara um a um daqueles de quem sentira mágoa.
Faltava o mais difícil: perdoar a si mesma.
Perdoar todas as vezes que se boicotara, todos os momentos que fizera más escolhas, todas os mutilamentos de sua alma.
Quando limpasse sua própria mágoa de si, estaria pronta. Pronta para seguir suas escolhas, agora maduras, ponderadas, eficientes. Porque ela nunca achara difícil escolher, aliás, sempre fora muito decidida. Traçava mapas mentais de trajetos a percorrer e sempre os seguira.
Não agora, agora era diferente.
Partiria sem rumo, com objetivo único de mergulhar sem snorkel e sem máscaras em seu âmago. Rasgando fantasias ilusórias, medos desnecessários e travas peculiares.
Empolgada, era a palavra que melhor descreveria essa nova fase.

domingo, 24 de junho de 2012

Era uma mulher de estômago forte.
Avestruz.
Acostumada a temperos fortes, sabores diferenciados.
Amava gengibre, canela, cravo da índia.
Adorava cozinhar, aceto balsâmico, café forte e puro.
Folha de louro, alho, cebola, frutas silvestres.
Tinha garganta larga e profunda, engolia qualquer situação e seguia adiante.
Sapos.
Não fosse aquela página, com cotação, três nomes e um site.
Seu mundo caiu.
Não que esperasse tanto, porque nesse dia não esperava nada.
Apenas, automática, empacotava malas.
Remexia roupas velhas e cadernos usados.
E derrubou lágrima.
E sentiu a solidão da época de casada.
Derrubou mais lágrima, porque ela fora fiel.
Lágrima arrependida de sua escolha.
Por ter aberto mão do que amava.
Porque impediu seguir seu coração.
Porque deixou o tempo passar leviano.
Ela fora real, mesmo com suas aventuras ilusórias.
Até na quietude e afastamento o homem a magoara, já não bastava passar sua vida a limpo, apareceriam sempre rascunhos a serem revisados?
Conversara mentalmente com seu guia do viver, e não ouviu contraponto.
Assistira a um belo filme que também falava sobre traição.
E mais lágrimas, porque o filme a permitira chorar as dores que na vida silenciava.
Precisou de café quente, companhia amiga, chafurdar em carinho desprovido de intenções.
Queria a mão macia, com a umidade e temperatura que sempre desejou e ele sequer imaginava.
Propôs-se a enfrentar o deserto para a seguir saciar sua bruta sede, água assim tem sabor melhor.
E acreditava esperançosa que o rio estava logo a frente, pois sentia o cheiro ozônico que tanto apreciava, da chuva molhando terra e grama.
De seu arqueiro lhe mirando como cupido, com o coração carregado de amor e pleno de amizade.
Sim, ela aguardaria o momento de encontrar a imagem à miragem... aguardaria com calma e serenidade pois ao seu lado passaria para além da eternidade.



quarta-feira, 13 de junho de 2012

A mulher

Escrever para ela era compor músicas em palavras.
Reger uma orquestra de vogais e consoantes.
Nascera com certo vínculo de afeto através das palavras, seria herança do poeta avô?
Era apenas através dela que sentia viva sua existência. Seu mundo.
Não importava se era real, imaginário ou simbólico.
Aprendera sobre tríades anos antes do agora.
Conhecia Pierce e Lacan. O Linguista e o Lógico.
Ambos trabalhavam tríades interligadas. Um sistema matemático, onde pequena área pertenciam simultaneamente a 3 conjuntos.
A iconografia de sua vida era essa tríade. Havia nela sempre quelque chose de triangular e era constante batalha separar o joio do trigo.
Amava a literatura de seus dias. Deliciava-se com seu otimismo, generosidade e Complexo de Poliana Moça.
Sim, ela era a esperança de um dia após o outro.
Apesar do apesar.
Todavia, isso fora na época das incertezas, antes de "re-conhecer" seu nome próprio, antes de entender sua matriz mais primordial, herança familiar.
Antes de Deus se fazer Sol em sua vida.
Antes do tempo em que aprendeu a ser MULHER, a tornar-se uma.
Porque descobrira que A mulher não é seios protuberantes e pêlos púbicos. Menarca alguma no mundo transforma menina em MULHER.
Esta, se conquista, só no pouco a pouco. Com o tempo, como o bom vinho.
Mirava de leve espectro o reflexo forte que se formava no lago e um frio lhe percorreu a espinha, do cóccix à nuca.
Teria ela o fim de Narciso?


sexta-feira, 8 de junho de 2012

Passaram-se 17 anos da última vez que percorrera aqueles caminhos.
A terra era seca, o vento quente e todavia se encontrava lá ela novamente.
As casas calcárias, com cúpulas azul-oceano... 
O Mediterrâneo logo ali, onde seus pés podiam tocar e sua alma repousar.
Foi silêncio alarmante... 
Cerrou os olhos e permitiu à sua mente divagar...
Seria capaz de ouvir o pulsar da terra, e ouvir Elláda como seu idioma principal.
Porque, sim, eram em momentos como aqueles em que ela era capaz de fluir em qualquer dialeto, 
a alma humana era escrita de forma espiralada e helicoidal e ela, Helena de Sistriera era parte do espírito do mundo!
Vivera tanto em sua pequena e miserável província, quanto em Constantinopla, época em que seus filhos eram pequenas criaturas dela dependentes...

***

Ah, o tempo!
Há quanto passara a época de acreditar que apenas a realidade importava.
Desde então, aprendera a ler o mundo com o coração!
Aprendera a carregar sua história como uma leve bagagem de mais de um século!
Fora ensinada a manter sempre no peito o que mais tarde o homem chamaria de Disco de Festos, sem saber que o dela era herança paterna, de pai escultor.
Isso sim era sua herança mais valiosa. 
Conhecia a ignorância de toda uma humanidade que se dizia tecnológica embora não conhecesse sequer a linguagem de seu Pai.
Ali estava o Elixir da Vida. A crença que Deus era Uno e Tríade.
Como poderiam eles desconhecer a melhor parte da História?
Da origem dos tempos?

***

O homem do século XX desaprendera a felicidade de Epicuro.
Conquanto houvesse um só jovem que não lesse além das escritas, o segredo ficaria guardado.
Fizera essa promessa e levaria até a data combinada.
Não sentia medo nem ansiedade, era de sua natureza guardar aquilo que não conseguia explicar, e poucos reconheciam que esse sim era o Verdadeiro Segredo.




Ela levou uma porrada de romantismo no maxilar e sorriu.
Sim, ela acreditava no amor e nas suas desenvolturas.
Amor verdadeiro, com A em Caps Lock.

E sim, também, espera por ele, ele, o que desperta o seu melhor.
O homem que intuitivamente a faz gargalhar por dentro,
Que é seu cúmplice desde o pote de sorvete.
O único que conhece sua manias mais improváveis e acha graça disso.
Aquele a quem ela ama e respeita. O Amigo e Amante. Confidente.
Que proverá daquilo que ela precisa, na forma mais sublime.

Ele está próximo, mesmo sem se conhecerem.
Ainda.
Porque esse encontro é o verdadeiro e duradouro.
Assim posto, pode demorar o quanto for, desde que seja logo!


quarta-feira, 6 de junho de 2012

Sobre o caráter ao eterno retorno de Nietzsche.

Pensava sobre caráter e regras da vida.
Ela vivera uma semana de tudo o que a intensidade poderia oferecer.
Em vão. Pessoas não mudam. O caráter não é uma massa a ser modelada.
Lembrou da ingenuidade dela enquanto criança. Enquanto massinhas simulavam sorvetes, brincos e pizzas.
Pensou na sua dor mais primordial, e quando anos mais tarde, continuou a permitir que afincassem facas na cicatriz.
Seria para lembrá-la que cicatrizes são marcas, ditadas pela experiência, para serem lembradas em situações de perigo?
Seria para mostrar que aquele lugar era sagrado, marcado, uma tatuagem em dor, sinalizar que ali era o único lugar a ser evitado, caso quisessem adentrar sua alma?
Ela sentia orgulho e sempre ostentou suas dores e amores.
Não temia o passado e o futuro era uma imagem nublada a ser desnuviada, ainda assim, recuava em relação à específica ferida. Cicatrizada, porém ferida.
Não havia um só band-aid no mundo capaz de conter o sangramento de agora.
Ela deixaria escorrer...
Escorrer... até o limite de suturar, costurar e formar uma nova casca, uma nova cicatriz.
Cicatriz acima da cicatriz.
Lembrou de Deus.
Suplicou a Ele Sua unção, antes que fosse tarde demais.
Nunca era tarde demais...
Fora impulsiva, indelicada, intrometida, num desfile de "ins" negativos...
Mas fora, sobretudo, seu Nome-Próprio. Seu Estilo. Sua Assinatura.
Sempre soubera ser a fênix, que renasce num eterno retorno...
Apesar de se recusar a aceitar a proposta de Nietzsche, romantizada por Kundera, ela não viveria o eterno retorno do mesmo.
Não se arrependia de minuto existido e vivido, pois seria negar sua essência.
Agora estava aberta ao novo, ao infinito, à espera daquele que há tanto a espera no próximo bloco.