sexta-feira, 30 de março de 2012


Depois de varrer o sangue jorrado de sua alma, ela enxugou o rosto com o dorso das mãos, os olhos borrados de preto. A boca, uma mancha vermelha, sedenta em despejar tudo o que não era amor.
A dor dilacerou seu corpo, fazia tempo que sentia medo de quando esse momento chegasse... A dor do medo...
Quando o tsunami passou, era apenas uma marola e sentia seu coração pulsante por vida e alegrias... Ele sorria, pois apesar do ao redor destruído, estava inteiro e completo!
Era hora de mudar os móveis de lugar, de jogar fora as contas antigas de telefone, de trocar de perfume e doar as roupas velhas que não mais serviam em seu corpo.
Já não era sem tempo o momento de acreditar que o futuro era possível e não era uma vã imaginação criada por entorpecentes, nem por amigos desesperados em consolar.
Acredita que seu futuro pauta sua construção no hoje, e que viver o presente na calma e intensidade a levará mais depressa a seu destino.
A esperança era o sentimento mais válido que saboreou nas últimas semanas.
Sem nostalgia, apenas otimismo.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Adeus - Eugênio de Andrade em Amantes sem Dinheiro

Já gastamos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastamos tudo menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
gastamos as mãos à forças de as apertarmos,
gastamos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha  para te dar.

Ás vezes, tu dizias: teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que teu corpo era um aquário,
no tempo em que meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastamos as palavras.
Quando agora digo, meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Sentia uma urgência de vida naqueles últimos dias.

Era uma intermitente busca por alegria, serenidade, paixão, paz.

Ela queria mais.

Queria quase tudo, desde que não lhe tirasse a razão de continuar a sonhar.

Queria o bolo de laranja assado na hora, com café expresso e quilos a menos.

Sonhava com seu filho correndo pelo parque e ela atrás, tentando acompanhá-lo entre um skate, uma bike e um beijo apaixonado.

Para ela a vida era assim, como vinho: simples e suave. E a acompanhava o tempo todo entre uma taça e outra.

A vida era o motivo que ela tinha para sorrir, para levantar-se todos os dias e passar seu batom carmim. Para deixar sua marca no mundo, da mesma forma que o vento esculpia as pedras e o rio marcava as terras.

Ela era a ave de rapina pronta a atacar. Ela era a leoa alimentando o filhote.

Era a mariposa em metamorfose e estava na fase de abandonar o casulo, e seguir voando.