segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

SOBRE O FEMININO OU ALGUMAS CONSIDERÇÕES SOBRE O NÃO-SER MULHER




Ao longo de sua obra, Freud aponta a diferenciação sexual muito além da anatômica, mas que essa se dá a nível inconsciente. Na perspectiva freudiana, nenhum sujeito é detentor de uma especificidade puramente feminina ou masculina.
O complexo de Édipo consiste numa ambígua relação de sentimentos de amor e ódio em relação à mãe. O menino, amando a mãe, percebendo-a castrada, e com medo que o mesmo aconteça a ele, volta às costas ao complexo de Édipo em busca de um novo objeto amoroso.
Já a menina, entra no Édipo pela mesma via que o menino sai. Ela decepciona-se com a mãe, por não ter dado a ela um pênis e vai de encontro ao pai em busca de um filho para dar lugar ao seu falo.
O complexo de Édipo, como saída da criança frente à castração, tem como objetivo que a criança assuma o falo como significante, e de uma maneira que faça dele instrumento da ordem simbólica das trocas. Assim, permitindo a ela não apenas ser conduzida a uma escolha objetal, como uma escolha objetal heterossexual. E ainda, que se situe nesta escolha corretamente em relação à função do pai .
A metáfora paterna opera de forma a recalcar um significante primeiro (desejo da mãe), dando lugar ao significante Nome-Do-Pai, permitindo assim à criança todas as substituições (ou escolhas) possíveis na cadeia significante, desta forma, é inscrita na linguagem.
Temos aqui o falo como determinante enquanto função para a formação da sexualidade, ainda na idade infantil.
Mas de que se trata esta escolha?
O que é ser homem ou ser mulher?
A problemática se inicia a partir do momento em que o simbólico é fálico, portanto não existe inscrição do feminino no inconsciente. Lacan diz: “A mulher não existe” (L/a femme), isto quer dizer que não existe o significante da identidade feminina (S (A)). A mulher deve ser tomada uma a uma, pois não há significante prévio que a funde como mulher, como acontece no habitante do campo masculino. É uma lógica para-além do falo, uma lógica do Outro.
A saída feminina é apostar num semblent de fálica, no uso de uma máscara de quem se reconhece castrada, porém não se apresenta ao Outro como tal, daí uma lógica para-além do falo, uma lógica do Outro. Semblent enquanto véu em frente ao Real, protegendo o sujeito do gozo.
Novamente, o que quer uma mulher?
Uma mulher quer ser desejada, ou em outras palavras, quer ser causa de desejo de um homem, homem este, que em seus devaneios, busca feitos heróicos e trunfos com a finalidade de agradar uma mulher, para que ela o prefira aos outros homens. O homem está afetado/implicado com a questão do feminino por também querer saber o que é uma mulher/ o que quer uma mulher.
O feminino não existe como única saída frente à deparação da castração e suas implicações da mulher. Ele existe, não como regra, ou matema de definição. Mas como um vir a ser, um tornar-se mulher.
Tornar-se mulher passa por seu romance familiar, sua relação posterior à Mãe e ao Pai, à disputa/ rivalidade feminina (uma forma de fantasia histérica que aponta numa relação de bissexualidade, como podemos ver claramente no caso Dora e sua relação de amor com a Sra. K.) , suas futuras escolhas amorosas e muitos outros aspectos.
O novo filme de Woody Allen, Vicky Cristina Barcelona, a começar pelo próprio título, evoca as vias do desejo feminino e como cada mulher da trama vivencia com o seu objeto amoroso suas posições em relação ao próprio desejo, ilustrando com maestria como o ser mulher é percebido no caso a caso.
O filme trata da história de duas jovens americanas, Vicky e Cristina, que viajam a Barcelona para passar o verão. Lá, se envolvem com Juan Antonio, um pintor ainda ligado à sua ex-mulher, Maria Elena.
Vicky, a boa-moça que se deixa levar pelos acontecimentos da viagem, que nunca sabe o que quer, apenas o que não quer/ não espera de um relacionamento, envolve-se com Juan Antonio, que ainda apaixonado por sua ex-mulher Maria Elena propõe uma relação triangular.
Cristina, que vai a Barcelona para estudar para sua tese de mestrado está noiva de um empresário em Nova Iorque, mas acaba se entregando aos braços do mesmo Juan, apesar de suas relutâncias racionais e idealizações obsessivas em querer controlar o desfile de seu desejo.
Juan é o homem que direta ou indiretamente afeta a cada uma das mulheres do filme com seu jeito sedutor, quase um Don Juan, alma de artista que sabe diferenciar o ser mulher de cada uma de suas conquistas, na individualidade do caso a caso do ser mulher.
Maria Elena, interpretada por Penélope Cruz, é a típica mulher à beira de um ataque de nervos, mostrando toda histeria e loucura na relação amorosa com Juan.
Há ainda Judd e Mark, o casal anfitrião das jovens em Barcelona. Judd tem um caso extraconjugal há algum tempo, mas tem como certo não separar-se de Mark, restando a ela estimular Vicky a largar seu noivado em troca de sua paixão por Juan, como uma forma de realizar seu próprio desejo.
De uma forma leve e engraçada, Woody Allen consegue tramar todas as mulheres em torno de um mesmo homem, e como cada uma se afeta de uma forma em relação à sua subjetividade de amar.
Seja no medo em assumir o próprio desejo, seja testando formas inusitadas de dividir um homem (pela loucura ou pela aventura), seja em assumir o objeto de desejo como impossível, ou então, seja projetando na outra mulher uma possibilidade de realizar o amor, o fato é que nem mesmo nós mulheres histéricas sabemos o que realmente quer uma mulher.