terça-feira, 22 de março de 2011

Sim, ela estremeceu quando os olhos se encontraram.
Havia muito tempo que havia calado seu olhar - o que de nada adiantou.
Sim, ela reconhecia o seu próprio olhar e apesar de não ser capaz de flagrar-se olhando para si mesma, conseguia sentir o quão profundo e penetrante eles a miravam naquele momento.
Pediu um café e virou, tomando como se fosse um shot de whisky cowboy. 
Era uma fatia do passado roubando-lhe o presente e era doce e angustiante ao mesmo tempo.
As mesmas dores, o mesmo afeto, as mesmas decepções. Já passara tanto tempo sem que contudo ela conseguisse apagar aquele olhar de seu carinho.
Sim, ela reconheceu a situação e parecia que estava mordendo o próprio rabo, infinito.
Pensou em sua sala, em seu divã. No cigarro que nunca apagara, pois a chama sempre se mantinha acesa dentro dela - tinha essa terrível capacidade de amar para sempre que insistia em acompanhá-la de tempos em tempo. Um dia fora generosa, mas aquilo tinha sido há muito tempo, decidira se esquecer desse capítulo.

Chorou toda a dor do mundo em silêncio. Desejara ela parir Tróia , enfrentar Capadócia. E seus dragões.
Pediu mais uma dose de café. A situação agora parecia mais perigosa, pois seu olhar de tristeza fora captado e ela era orgulhosa demais para reconhecer sua fraqueza.
Ela era a criança que amava em silêncio. Ela era a mulher que gritava aos quatro ventos o seu desejo.
Tomou o segundo trago e por um instante era Terezinha de Chico. Ele era o segundo.

O tempo passou. Ela olhou para trás e percebeu que nada poderia ser modificado. Tentou mudar a música em vão, pois os dançarinos não se moveram.

Quem era ela nunca saberia, pois as lágrimas haviam borrado a máscara. Kabuki. Só conhecia seu íntimo, e ela reconhecera seus oponentes. Já vivera a mesma vida em outra vida. Um eterno retorno.

P.S. Ela não conseguiu datar o texto, não tinha sequer certeza se ele não era apenas parte de sua fantasia.

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