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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Ou a mulher não existe, ou ela é uma fantasia criada pelo masculino

A questão do feminino na psicanálise se apresentou a Freud desde o caso Dora (1905), onde ele começa a construir de que forma a mulher escolhe seu objeto amoroso. Depois, em Bate-se numa criança , texto de 1919, a gênese da perversão, ele começa a articular a posição do feminino com o masoquismo. No mesmo ano, temos Psicogênese de um caso de homossexualidade feminina, onde fala da escolha do objeto amoroso homossexual.

Para Freud, se nasce macho ou fêmea, mas torna-se homem ou mulher pelas identificações. Todo sexo é basicamente masculino e fálico e as diferenças se estabelecem pelo Édipo (a posição diante do ter ou não o falo). Ele vê o feminino como exceção ao masculino. Ser feminino é não-ser masculino.

Para Lacan, a lógica da vida amorosa é considerada de forma ainda mais complexa. Ele ultrapassou o ponto até onde Freud chegou, o falo como referência para a partilha sexual, e propõe uma outra lógica.

Lacan sugere que o amor da mulher seria erotomaníaco, termo introduzido por Clérambault: as mulheres não amam, mas desejam ser amadas. No amor erotomaníaco, a lógica do não todo predomina. A erotômana, em sua tentativa de estabelecer uma relação com o Outro absoluto, só pode situar-se na posição de produzir ela mesma, como objeto, um saber sobre o que se espera dela, ante a impossibilidade de se articular a partir do falo. Ela deseja ser amada por alguém superior, que não dá a ela qualquer importância. Como metáfora: a mulher se põe como necessariamente ser amada, a mulher se coloca estruturalmente frente ao homem na posição de ser amada pelo Outro. A mulher quer ser amada e para isso, ela veste uma máscara de toda, de fálica. Faz semblant daquilo que supõe que precisa para ser amada.

Já o amor do homem seria fetichista, mais determinado pela fantasia de recobrimento da falta do Outro, S (A). O sujeito masculino ama sua parceira “na medida em que o significante do falo a determina como sendo a que dá no amor o que ela não tem”. “O fetiche é o substituto do falo da mulher (da mãe), em cuja existência a criança pequena tinha a crença outrora e ao qual, sabemos porque não quer renunciar”

Lacan fala de forma fetichista do amor masculino porque o brilho fálico reveste a mulher como um véu, encobrindo a castração. O homem fetichiza a mulher ao preço de se eclipsar na sua fantasia.

O eixo disso é o falo.

A função da mulher é ser o falo, isto é, o que completa o homem. Ela serve para o homem negar sua castração, ou ainda, ela serve de véu para encobrir/velar sua castração . Se para Freud a mulher é um homem castrado e busca na maternidade a completude fálica, filho=pênis=falo, para o último Lacan – a partir do Seminário XX – há a especificidade do gozo feminino – um gozo exclusivo da mulher.

A teoria dos gozos é a que orienta a clínica lacaniana. A forma pela qual um sujeito, sexuado como homem ou com mulher, se coloca frente à castração e ao falo, é determinante para sua posição, masculina ou feminina. A forma pela qual o sujeito busca seu objeto amoroso. Objeto este que vem compensar a carência universal de forma parcial, compensatória para apoderar-se daquilo que Lacan chamou de “o Nome-do-Pai”.

Esse objeto outro, compensatório, que Lacan chama de “objeto a”, qualifica sempre uma alteridade, alguma coisa que está para além do sujeito desejante e que ele quer para si. Assim, quando esse “objeto a” se instala como função compensatória, tem-se de procurar sempre quem é esse “outro” que se coloca no lugar do desejo do sujeito.

Lacan começaria a pensar este conceito a partir da leitura de Luto e Melancolia de Freud. Ao se referir à pessoa que foi perdida e de quem se faz o luto, Freud escreve a palavra “objeto”, e não “pessoa”. Nota-se nesta gênese freudiana do conceito lacaniano a idéia de uma perda, de alguma coisa que não existe mais, de um fantasma do qual temos de fazer luto para nos libertarmos de sua lembrança.

O objeto desejante desenvolverá certa astúcia ao tentar aprisionar brevemente esse “objeto a” em alguma forma compensatória de satisfação, de gozo. Uma astúcia destinada a ser sempre uma compensação e que instaura apenas uma satisfação parcial, metonímica, diante do desejo. Portanto, uma relação de substituição que transformará todo “objeto a”, escolhido pelo sujeito desejante, num fantasma. E a maior fantasmagoria eleita pelo masculino será o feminino, visado como objeto de gozo total, impossível de ser completado.

Homens e mulheres realmente não são iguais na sua formação sexual, afinal, a escolha de objeto é sempre subjetiva e caso a caso, daí a relação sexual, simétrica, de completude não existir.

Por mais próxima que a mulher esteja do homem, ela é sempre invisível para ele, o que fará Lacan formar a frase: “A mulher não existe.” A mulher lhe escapa sempre. Na verdade, ela, como todo objeto de desejo, pertence à esfera desse “objeto a”, parcial, metonímico por definição, mas que consegue ancorar a pulsão do desejo por algum tempo. A mulher real e individual presente no ato sexual, representa, portanto, apenas uma possibilidade nessa série infinita que alucina o masculino.

O filme Closer – Perto Demais, do diretor Mike Nichols (do roteiro baseado na peça teatral homônima de Patrick Marber) pode ser utilizado como exemplo. Perto demais, a mulher torna-se ainda mais inexistente ao masculino.

O roteiro conta com personagens de profissões emblemáticas, que já definem o que acontecerá com o relacionamento dos amantes:

Dan é um jornalista encarregado da seção de obituários. Ele conta como os obituários são escritos para esconderem sempre a pessoa real. O que de fato as pessoas foram na vida não importa nos obituários. Mas sim, a visão edulcorada e elegante em que todos se transformam em pais amantíssimos, esposos fiéis e profissionais competentes, mesmo que tenham sido o oposto disso tudo. Ou seja, nem mesmo na morte, revelamos o que somos de fato. O falso obituário dos jornais incumbe-se de manter o distanciamento necessário da pessoa real. O obituário, que deveria revelar finalmente a pessoa, a mantém, agora, definitivamente distante.

Anna, por sua vez, é fotógrafa especializada em retratos de desconhecidos que ela retrata em grandes closes. Rostos anônimos, mas ela os exibe em grande proximidade, em grandes ampliações. Mesmo com tal exposição ampliada, eles continuam desconhecidos. É uma falsa aproximação. Rostos próximos demais. Tão desconhecidos quanto os das mulheres quando elas se apresentam para os homens que pensam que as vêm por inteiro e acreditam que elas são o que estão vendo.

Larry é medico dermatologista. Perto demais do corpo das pessoas. Próximo da pele. Mas nunca além. O dermatologista se detém na epiderme das pessoas, nunca ultrapassando o limite externo do corpo. Nunca penetrando realmente no âmago do paciente. Sempre na epiderme, nesta exterioridade que nos delimita do interior. Assim será também em seus relacionamentos com o feminino. Nunca indo além da sexualidade explícita. Não é à toa que será ele quem exigirá tudo da stripper. Visão total. Mesmo assim, ele não conseguirá ir além da epiderme ginecológica da mulher.

Jane, por sua vez, é a stripper que se dá totalmente ao olhar masculino. Olhar que nunca consegue ir além do seu corpo em exibição, da sua epiderme. Pertos demais do seu corpo nu, os olhares masculinos estão sempre longe demais dela como mulher. Ela é a que encerra, em sua profissão, o paradoxo dessas relações íntimas que estão sempre à distância. Ela é um “objeto a” por excelência, pois oferece seu corpo como objeto parcial de um desejo nunca realizado.

Jane, desde seu primeiro encontro com Dan, usa um nome falso – Alice Ayres. O relacionamento dos dois já começa com uma Alice que não existe. A primeira frase que ela diz a Dan é: Hello, stranger! (Olá, estranho!).

A cena em que os dos dois homens acessam a internet, numa dessas salas de encontro, e um deles finge ser uma mulher. O namoro virtual logo descamba para uma espécie de sexo virtual. O que mostra que para o homem basta que ele tenha um projeção de mulher em sua mente para que tudo funcione e a relação sexual se faça.

Afinal, tudo não passa mesmo de uma fantasmagoria masculina.

Talvez, a cena em que mais se revele essa fissura entre homem e mulher seja a do clube noturno onde Alice/Jane faz strip-tease.

Essa mulher que se despe completamente para os olhares de estranhos que estariam tão próximos dela, quando se estaria no momento de aproximação máxima, é justamente quando ela fica mais distante, num simulacro inatingível de desejo e de fantasia.

No clube, Larry, pede para vê-la totalmente nua e ainda paga para que ela exiba suas partes íntimas, da maneira mais crua. Aproximação visual máxima que não preenche seus desejos. Ele também paga para que ela lhe revele seu verdadeiro nome. Ela diz. Mas ele pensa que ela mente. Ele nunca saberá o que as mulheres são, portanto, tanto faz seu nome verdadeiro.

Nuas ou perto demais (em closes), elas são sempre invisíveis ao masculino.

Perto demais do feminino é sempre muito longe para o masculino.





segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

SOBRE O FEMININO OU ALGUMAS CONSIDERÇÕES SOBRE O NÃO-SER MULHER




Ao longo de sua obra, Freud aponta a diferenciação sexual muito além da anatômica, mas que essa se dá a nível inconsciente. Na perspectiva freudiana, nenhum sujeito é detentor de uma especificidade puramente feminina ou masculina.
O complexo de Édipo consiste numa ambígua relação de sentimentos de amor e ódio em relação à mãe. O menino, amando a mãe, percebendo-a castrada, e com medo que o mesmo aconteça a ele, volta às costas ao complexo de Édipo em busca de um novo objeto amoroso.
Já a menina, entra no Édipo pela mesma via que o menino sai. Ela decepciona-se com a mãe, por não ter dado a ela um pênis e vai de encontro ao pai em busca de um filho para dar lugar ao seu falo.
O complexo de Édipo, como saída da criança frente à castração, tem como objetivo que a criança assuma o falo como significante, e de uma maneira que faça dele instrumento da ordem simbólica das trocas. Assim, permitindo a ela não apenas ser conduzida a uma escolha objetal, como uma escolha objetal heterossexual. E ainda, que se situe nesta escolha corretamente em relação à função do pai .
A metáfora paterna opera de forma a recalcar um significante primeiro (desejo da mãe), dando lugar ao significante Nome-Do-Pai, permitindo assim à criança todas as substituições (ou escolhas) possíveis na cadeia significante, desta forma, é inscrita na linguagem.
Temos aqui o falo como determinante enquanto função para a formação da sexualidade, ainda na idade infantil.
Mas de que se trata esta escolha?
O que é ser homem ou ser mulher?
A problemática se inicia a partir do momento em que o simbólico é fálico, portanto não existe inscrição do feminino no inconsciente. Lacan diz: “A mulher não existe” (L/a femme), isto quer dizer que não existe o significante da identidade feminina (S (A)). A mulher deve ser tomada uma a uma, pois não há significante prévio que a funde como mulher, como acontece no habitante do campo masculino. É uma lógica para-além do falo, uma lógica do Outro.
A saída feminina é apostar num semblent de fálica, no uso de uma máscara de quem se reconhece castrada, porém não se apresenta ao Outro como tal, daí uma lógica para-além do falo, uma lógica do Outro. Semblent enquanto véu em frente ao Real, protegendo o sujeito do gozo.
Novamente, o que quer uma mulher?
Uma mulher quer ser desejada, ou em outras palavras, quer ser causa de desejo de um homem, homem este, que em seus devaneios, busca feitos heróicos e trunfos com a finalidade de agradar uma mulher, para que ela o prefira aos outros homens. O homem está afetado/implicado com a questão do feminino por também querer saber o que é uma mulher/ o que quer uma mulher.
O feminino não existe como única saída frente à deparação da castração e suas implicações da mulher. Ele existe, não como regra, ou matema de definição. Mas como um vir a ser, um tornar-se mulher.
Tornar-se mulher passa por seu romance familiar, sua relação posterior à Mãe e ao Pai, à disputa/ rivalidade feminina (uma forma de fantasia histérica que aponta numa relação de bissexualidade, como podemos ver claramente no caso Dora e sua relação de amor com a Sra. K.) , suas futuras escolhas amorosas e muitos outros aspectos.
O novo filme de Woody Allen, Vicky Cristina Barcelona, a começar pelo próprio título, evoca as vias do desejo feminino e como cada mulher da trama vivencia com o seu objeto amoroso suas posições em relação ao próprio desejo, ilustrando com maestria como o ser mulher é percebido no caso a caso.
O filme trata da história de duas jovens americanas, Vicky e Cristina, que viajam a Barcelona para passar o verão. Lá, se envolvem com Juan Antonio, um pintor ainda ligado à sua ex-mulher, Maria Elena.
Vicky, a boa-moça que se deixa levar pelos acontecimentos da viagem, que nunca sabe o que quer, apenas o que não quer/ não espera de um relacionamento, envolve-se com Juan Antonio, que ainda apaixonado por sua ex-mulher Maria Elena propõe uma relação triangular.
Cristina, que vai a Barcelona para estudar para sua tese de mestrado está noiva de um empresário em Nova Iorque, mas acaba se entregando aos braços do mesmo Juan, apesar de suas relutâncias racionais e idealizações obsessivas em querer controlar o desfile de seu desejo.
Juan é o homem que direta ou indiretamente afeta a cada uma das mulheres do filme com seu jeito sedutor, quase um Don Juan, alma de artista que sabe diferenciar o ser mulher de cada uma de suas conquistas, na individualidade do caso a caso do ser mulher.
Maria Elena, interpretada por Penélope Cruz, é a típica mulher à beira de um ataque de nervos, mostrando toda histeria e loucura na relação amorosa com Juan.
Há ainda Judd e Mark, o casal anfitrião das jovens em Barcelona. Judd tem um caso extraconjugal há algum tempo, mas tem como certo não separar-se de Mark, restando a ela estimular Vicky a largar seu noivado em troca de sua paixão por Juan, como uma forma de realizar seu próprio desejo.
De uma forma leve e engraçada, Woody Allen consegue tramar todas as mulheres em torno de um mesmo homem, e como cada uma se afeta de uma forma em relação à sua subjetividade de amar.
Seja no medo em assumir o próprio desejo, seja testando formas inusitadas de dividir um homem (pela loucura ou pela aventura), seja em assumir o objeto de desejo como impossível, ou então, seja projetando na outra mulher uma possibilidade de realizar o amor, o fato é que nem mesmo nós mulheres histéricas sabemos o que realmente quer uma mulher.